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O instinto infantil

Maria Cottas

Todos guardamos em nosso íntimo um pouco da criança que fomos; embora já tenhamos cabelos brancos e realizado grandes coisas em nossa vida, ainda que lutando sempre contra a adversidade, e a luta nos haja endurecido aparentemente o espírito, guardamos intactos no mais íntimo do nosso ser os sonhos plácidos de criança.
Mesmo nos homens, apesar da experiência, dos trabalhos e lutas, continua com eles o impulso irresistível, o desejo de chegar à porta da vida para espiar o que se passa no mundo, o amor, a aventura e o perigo.
As mulheres, às vezes, não compreendem bem isso, e essa incompreensão é uma das causas das desavenças entre os cônjuges, pois certas esposas não querem admitir que o marido tenha tendências e gostos diferentes. Ela, que encerrou sua meninice com a última boneca, raras vezes se recorda de que foi criança e de que viveu dias despreocupados, e se surpreende e alarma quando descobre em seu companheiro as fraquezas, recordações e preferências que considera próprias e exclusivas da tenra idade dos meninos.
Parece-nos que essa cegueira voluntária das mulheres, empenhadas em negar a existência de uma remota meninice nos homens, se deve, em grande parte, ao fato de considerá-los o sexo forte, superior, incompatível, portanto, com as debilidades próprias dos seres fracos.
Salvo certas exceções, a mulher julga o homem bastante forte, grandemente estóico e pouco sentimental, incapaz de se impressionar com os detalhes aparentemente insignificantes do viver diário. Não lhe ocorre, por exemplo, que o homem pode ser tão vaidoso quanto ela, gostar tanto de um terno novo, como a esposa de um vestido moderno. Não suspeita, tampouco, que ele experimenta em toda sua vida a mesma necessidade de carinho e ternura a que se acostumou quando criança. Os êxitos de um homem, de qualquer natureza que sejam, nada significam para o seu "eu" interior, quando não exista uma mulher em sua vida que o estimule e se orgulhe dele. Não há homem nenhum no mundo cujo impulso instintivo, na hora amarga da derrota, não o faça procurar a mulher amada, seja mãe, esposa ou noiva, em busca de consolo, ternura e compreensão para o seu sofrimento. É o instinto infantil sempre fiel empurrando-o até à noite de consolo: o amor maternal que existe em toda mulher. Se observarmos os casais que conhecemos, veremos que as mulheres suficientemente inteligentes para tratar os homens como meninos grandes, com as mesmas ternuras e considerações do tempo do noivado, são adoradas por eles.
O amor não exclui a diferença de gênios, pareceres e gostos, e assim, embora um homem e uma mulher se amem, é possível que não pensem igualmente a respeito de certas coisas.
Tudo é lógico e natural, mas o que não é razoável é questionarem por diferença de opiniões e gostos e porque a mulher não quer compreender que em seu companheiro há ainda muito do menino caprichoso que ele foi, e que bastaria adotar táticas maternais para convencê-lo de que aquilo que ela prefere é o melhor.
A esposa prudente procurará sempre manter contente esse menino grande que vive no homem e o acariciará quando bom, repreenderá quando mau, esquecendo suas travessuras sem ameaçar quando se mostre sinceramente arrependido.

Do livro Páginas soltas


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