gazeta2.jpg (8041 bytes)

Com a voz nossos avós

Luiza José Nunes de Farias

Sendo o envelhecimento um processo natural no ciclo da vida, mudanças inevitáveis de ordem física e biológica são relatadas, da cor do cabelo à elasticidade da pela, passando pela audição e visão, resistência óssea, funcionamento dos órgãos vitais e memória.

Algumas mulheres com mais de 60 anos relatam mudança em relação à própria voz, queixam-se de que se tornou mais grossa (grave). Ao contrário dos homens de igual faixa etária, que se queixam da mudança de voz para mais fina (aguda). Com ambos os sexos, entre outros fatores, pode ocorrer redução da capacidade respiratória, redução do volume (alto/baixo) do equilíbrio rítmico, e da nitidez articulatória.

Sabe-se que os sintomas variam, dependendo da história de vida, saúde física, psicológica, hereditariedade, nível sócio-econômico, cultural e outros. Mas na observação da grande vitalidade e alegria de viver que certas pessoas demonstram, apesar de terem passado dos 70, 80, 90 anos, surgiu a vontade de identificar aspectos comuns entre elas, independentemente do tempo revelado nos cabelos brancos, pele enrugada e mentes privilegiadas.

O primeiro passo foi submetê-las a um questionário em forma de entrevista, envolvendo questões de saúde, auto-conhecimento, relacionamentos, atividades da vida diária e motivos de satisfação pessoal. As respostas eram variadas em diferentes aspectos, mas chamou a atenção uma grande coincidência: cada qual do seu modo apontava sua família como o principal motivo de satisfação pessoal, a sua grande alegria de viver.

A partir daquela afirmativa, iniciou-se uma pesquisa cujo objetivo foi conhecer a influência do convívio familiar na conduta vocal de idosos residentes em suas casas, comparadas com a de idosos residentes em uma instituição. Para tal fez-se um estudo a respeito das transformações físicas e mentais, comuns ao processo natural de envelhecimento, e situação social do idoso brasileiro.

Classificaram-se individualmente oito vozes, todas de brasileiros na faixa etária de 70 a 79 anos, sem registro anterior de doença neurológica ou problemas com a voz. Em seguida, foram separadas em dois grupos: grupo familiarizado (GF) e grupo institucionalizado (GI), cada um composto de dois homens e duas mulheres.

Resumidamente, a pesquisa revelou que todos do GF tinham contatos periódicos com suas famílias e desempenhavam algum tipo de atividade, independente daquelas exercidas no lar, de forma profissional ou voluntária. O principal motivo de satisfação pessoal estava sempre relacionado aos familiares. Do grupo GI, apenas uma mulher exercia atividade independente das comuns à instituição, sendo ela a componente que obteve melhores resultados na avaliação final. Mas todos do grupo, inclusive esta, relataram pouquíssimo ou nenhum contato com familiares, e o principal motivo de satisfação pessoal para todos eles resumia-se em "ver a alegria dos outros".

A percepção dos componentes do GF em relação à própria voz e de outras pessoas era superior à percepção dos componentes do GI, e todos deste apresentavam prejuízos em relação ao controle do ritmo da fala e energia de emissão.

A pesquisa revelou que o GF encontra-se mais favorecido que o GI, portanto mais respaldado social e psicologicamente, munido de maior auto-estima e mais seguro no papel que desempenha junto à família e sua sociedade.

Estudos apontam que homens e mulheres casados apresentam taxas de mortalidade menores que divorciados, viúvos e solteiros, o que leva a supor que a companhia é fator positivo no prolongamento da idade avançada. Idosos chineses mostraram-se superiores aos idosos americanos em quatros testes psicológicos de memória, ao que os pesquisadores atribuíram ao papel socialmente relevante que aqueles representam em seu país.

Não se pretende ignorar o valor das instituições que amparam os idosos sem família ou abandonados por ela, sem condições de garantir sua sobrevivência. Mas, sim, ressaltar o cultivo do afeto e da auto-estima, que tanto favorece o sujeito no desempenho de suas tarefas. Entende-se que o enfraquecimento do convívio familiar leva a pessoa a negligenciar, em relação ao seu potencial, sua identidade, entusiasmo, energia e até a constatação da própria alegria.

"Com a voz", foi a forma criada para dizer "em destaque". "Nossos avós", um sinônimo carinhoso para "idosos brasileiros". Simplesmente "Com a voz nossos avós" quer dizer: "Em destaque os idosos brasileiros". Heróis anônimos que, apesar de estarem vulneráveis à diminuição de sua capacidade a partir de suas próprias mentes, corpos, físicos e meio social, brilham aos olhos da família e de suas comunidades, refletidos na alegria do nosso querido Carequinha, na genialidade da escritora Zélia Gattai, viúva do imortal Jorge Amado, a quem substituiu na Academia Brasileira de Letras, no talento e sabedoria do saudoso ator e compositor Mário Lago que, em dezembro de 2001, ao completar 91 anos, já com a saúde debilitada, ainda falava de esperança: "Quando o homem perder a capacidade de ter esperança pode apagar o arco-íris".

Tenhamos esperança e confiança nas lições dos nossos velhos, na conquista de nossos valores que incentivam a união, engrandecem o amor pela família, pela pátria e pela humanidade.

Luiza José Nunes de Farias é fonoaudióloga.

 

Página Principal | Index | Biografias | Artigos | Notícias | Inaugurações | Diversos | Para meditar | Discursos históricos | Livros | Sala | RC Inglês | RC Imagens

Gazeta do Racionalismo Cristão - Um novo conceito do Universo e da Vida