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Aprendendo a viver

Heloísa Ferreira da Costa

Uma das coisas mais difíceis da vida é a espera. Espera-se tudo a vida toda. Primeiro se espera alcançar a idade adulta para poder-se tomar as próprias decisões, depois se espera uma época de melhor situação financeira para obter-se o que se deseja, e assim, de espera em espera, passam os anos e, às vezes, já bem idoso, o indivíduo percebe que passou a vida toda esperando para ser feliz sem se dar conta de que a felicidade estava bem ali ao seu lado.
Em Invasões Bárbaras, produção francesa ganhadora do Oscar de filme estrangeiro, há uma importante discussão sobre a morte e a maneira de enfrentá-la. Após a apresentação do filme, que foi na Associação Médica, houve uma discussão sobre o tema. Discutiu-se de tudo, menos o que me pareceu tão óbvio - a invasão era a de um tumor no cérebro, essa era a barbárie em questão. O ponto máximo, quando se discute a forma da morte, na estória, o filho opta pela administração de uma droga ilícita, tentando diminuir o sofrimento, com a participação dos amigos, que ficam por algum tempo acompanhando e dividindo as alegrias e tristezas vividas, e no final despedem-se, cada um a seu modo. Num determinado momento o personagem principal diz: "Sinto-me tão inexperiente quanto no dia em que nasci!" Percebe-se aí que ele sentiu que deveria ter aprendido mais, evoluído mais, e talvez essa consciência de sentir não haver alcançado o que poderia mostre o quanto ele já estava pronto para a próxima etapa. O importante não é decidir como se vai morrer, mas sim como se deve viver.
Sabemos que a morte não existe, apenas morre o corpo físico, mas a vida é muito negligenciada. Ao invés de aproveitarmos os dias para crescer, para aprender, para nos sentirmos felizes, estamos sempre a esperar que algo aconteça segundo nossos desejos e crenças, para então nos sentirmos bem. Esse é o grande erro, se não sabemos o dia derradeiro, por que não imaginar que pode estar próximo, parar de dar importância a coisas tolas e aproveitar para uma reavaliação diária para ver se estamos indo bem?
É preciso dar importância ao que importância tem, se as coisas não estão como deveriam, quem somos nós para entender esse turbilhão? Só entenderemos no dia "D", e quem nos garante que poderemos ter consciência para análise dos fatos quando esse dia chegar?
Quantos não fazem tantos planos, não esperam pela sonhada aposentadoria, quando então sentarão observando a natureza, numa varanda em Campos do Jordão, curtindo os dias sem aflições, e de repente um mal súbito, um diagnóstico sombrio e a quebra derradeira das expectativas!
Uma pessoa querida da família passou por isso, e depois de se recuperar da cirurgia inicial, sem ao menos imaginar o que o estava esperando, confidenciou a um amigo: "Não voltarei mais ao trabalho, acabou!" E ele estava certo. Poucos meses depois a luta chegou ao fim, não sem antes levar-lhe o controle do seu próprio corpo, a sua dignidade, a identidade e os seus sonhos de dias sem preocupação. Felizmente, num dia especial, teve a oportunidade de brincar com seu neto, aquele que daria continuidade a sua existência, e - quem sabe? - nesse dia ele tenha se sentido feliz por anos, porque estava aproveitando, saboreando cada minuto sem questionar nada, como se fosse a última vez. E era.
Pensando em tudo isso e analisando o que me aflige no momento, me parece tudo tão pequeno, e decido que não vou mais esperar para sorrir, que se meus sonhos estão desmoronando é porque não eram sólidos, não passavam de castelos construídos na areia; resolvo então ser feliz agora. E com a imagem do senhor Nicolau Bartholomeu Neto tentando parecer alegre, mesmo consciente de que o fim havia chegado, paro de me preocupar com ninharias e volto ao trabalho com a certeza de que tudo está exatamente como deveria. Sinto-me, então, em paz!

(A autora é militante da Filial Marília, SP.)


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