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Sofrimento e evolução

Louis Fourcade

Contribuição de José Maurício Kimus Dias

(Tradução de trecho do capítulo de um livro, em preparação na França, e intitulado, a priori, Espiritualismo e humanismo, de autoria do pesquisador Louis Fourcade – em breve no Brasil)

O sábio Epicteto já formulara, em poucas palavras, o sentido do sofrimento: "Não peças que as coisas se façam como tu as queres; limita-te a receber os acontecimentos, quais se te apresentam; é o segredo da felicidade".

Mas, quem possui força e paciência para as amarguras da vida passa a ser um ser cheio de sabedoria diante da dor acabrunhante, quem tem a consciência livre de penas e tribulações em face de um passado onde certamente vamos encontrar as origens dos sofrimentos e das infelicidades? A lei palingenésica oferece acerca deste perturbador problema uma solução adequada e quiçá desejável. Assim, o que nos inquieta, perturba, contrista e, por vezes, anula de um só golpe todas as nossas esperanças materiais, ou os nossos corpos esplendentes de saúde, não é o efeito de um determinismo cego, mas, pelo contrário, corresponde a um princípio de causalidade lógica, que diz respeito ao livre-arbítrio, responsável pelo nosso futuro. Efetivamente, sofrimento e dor ocasionam uma mudança brusca no mundo da afetividade e, precisamente nesta desadaptação, inopinada, nossos seres se ajustarão a uma nova vida e a conseqüentes sensações de todo inesperadas. Este fato é irrefutável, pois que ele deflui de outros fatos dos quais tira conseqüências para a nossa evolução. O sentido do sofrimento, quando visto através da evolução contínua, revela uma origem racional, é o anunciador de um progresso certo da alma. Em realidade, a liberdade moral é um patrimônio da alma em suas mais elevadas formas; essa liberdade, porém, só é cabível dentro dos limites próprios às nossas aquisições em vidas anteriores, pela determinação consciente de cada individualidade, individualidade esta que oculta uma essência permanente, um princípio centralizador, uma função de síntese; estabelece, portanto, uma unidade e uma continuidade na multiplicidade dos fatos psíquicos. Assim concebido o problema do sofrimento humano, somos levados a volver sobre nós mesmos, a enchermo-nos de arrependimento que é o sentimento superior de reedificação, de liberação, assinalando os fins e entreabrindo as portas maravilhosas das esferas julgadas inacessíveis. Max Scheler, psicólogo e filósofo alemão, perfeito conhecedor dessas questões, é bem explícito sobre o assunto; escutemo-lo: "a elevação da alma pelo arrependimento mostra o que em nós havia de inferior. O arrependimento é sofrimento e ao mesmo tempo higiene mental; a alma não procurará desembaraçar-se dele; por guardar em si todo o seu passado. Como seres encarnados não temos lembrança dos acontecimentos do passado, os quais, todavia, só em aparência estão infirmados em nossa vida psicológica. A idéia deles se conserva à disposição da consciência, fixando-se assim na parte ativa de nosso processo individual, pois que, de contrário, recairia, a todo o instante, na parte passiva do inconsciente".

Assim, pelo fato de o homem, em sua natureza virtual, estar propenso a um futuro cada vez mais elevado, torna-se compreensível à idéia de atos sucessivos, de compromisso indestrutível entre os seres no engrandecimento pela verdade e pelo bem, e que não podem recuar diante do desgosto estimulante e salvador das faltas do passado. Ora, a alma; posta em contacto com as zonas de perturbações e incertezas de sua existência, instrui-se por si mesma acerca dos fins que ela tem de atingir. O sofrimento está repleto de ensinamentos, obriga a vida sensível a se subordinar à vida das atividades que repudiam o fatalismo de maneira que o sofrimento eleva os sentimentos pelas intenções de reparação, pela vocação eterna de absolvição. A noção de livre-arbítrio não modifica momentaneamente nossa vida de formas e de sensações, ela implica evidentemente uma estreita coesão do passado reavivado, do presente fugitivo e do porvir certo. O conhecimento da solidariedade moral dos diversos processos de nossas individualidades, quando apreciados através de uma série continua de vidas, faculta-nos a consciência das elevadas finalidades a que estão condicionados os nossos seres. É impossível separar o estudo do espírito, em sua psicologia experimental, da compreensão racional da dor humana. São numerosos os ignorantes e teimosos que não querem ver nada mais além da função orgânica do corpo, não menos certo é que grande parte da Humanidade, graças à renovação da psicologia pela investigação positiva dos fatos psíquicos, se mostra em condições de ter opinião e serenidade diante daquilo que turba a existência dos homens: as dores e os sofrimentos em seus infinitos graus. Os materialistas e os cépticos têm o hábito de só ver a parte aparente da existência, excluindo a sua unidade e finalidade. A prova que abala as nossas fibras mais ocultas, o mal que nos abate e nos desencorajam, apenas momentaneamente lhes ensombreiam a existência do espiritual. Tudo isso, porém, se transforma em virtudes de força, paciência, devotamento quando penetramos em nós mesmos, quando, batendo no peito, reconhecemos o alcance de seu ensinamento.

Será possível suprimir-se o sofrimento em um mundo de controvérsias, de lutas, de pesquisas, que se movem entre o relativo e o contingente? Não. Será absurdo acreditar-se possa haver igualdade em nossa maneira de viver, compreender e sentir? Não. Erraremos dizendo que o mal, a dor e as desigualdades, no tocante à felicidade humana, fazem parte de maravilhoso plano de progresso. As provas amargas da existência, as inferioridades miseráveis, as desgraças enganadoras são, no entanto, avisos de causalidades admiravelmente dispostas e que fazem funcionar o presente e o porvir, pelo chamamento do passado, colocando-nos em face de erros a reparar, concitando-nos a aceitar o efeito inexorável de nossos deméritos e méritos, supremas justificações de um Criador que a tudo proveu para o maior bem de todos na infinidade do tempo e do espaço. O ressentimento da prova física e moral comporta a virtude da paciência, tornando-nos fortes para suportar a dor, mas, por um reflexo de autodefesa, nos premune, pelo arrependimento e pelo resgate, contra novos sofrimentos: compensações reais de nossa renovação. Em realidade, toda causa tem uma seqüência lógica, gérmen de uma causalidade nova. Ora, esta lei geral que implica na repetição de nossas existências se firma sobre qualidades já obtidas nos estados de vida onde o sofrimento foi o mestre iniciador. Quantos chamamentos às fontes nos fizeram tropeçar, quantos apelos à consciência moral, a fim de evitar as extravagâncias que nos fizeram sofrer. Sofremos porque faltamos às Leis Universais do Criador.

Quando estamos presos à dor, ocorre-nos ao pensamento que nossos infortúnios e males têm suas origens nas negligências do passado e, então, procuramos tirar deles o melhor proveito para que, com mais firmeza, marchemos em busca do futuro.

Digo com convicção que a crença da alma é ativa, sejam quais forem às circunstâncias; o nosso comportamento interior suporta, sem revolta, sem queixa alguma, todas as tristezas e desapontamentos. O ser que defende seus atos com toda a serenidade apesar dos assaltos infelizes a que está sujeito demonstra ter fé na alma e em seu porvir, prova estar em condições de subir, com segurança e rapidamente, os degraus da evolução espiritual. Ah! Bem sabemos haver seres que ainda não sentiram as tribulações da existência. São os inclinados a viver como egoístas e a desconhecerem os sentimentos nobres da espiritualidade que elevam a alma. Nada, porém, para eles está perdido: terão, a seu tempo, de crescer nisto que eles ignoram e não quiseram aceitar. Os que sofrem, que sofreram, que suportaram as dores provocadas pelos cravos pregados na cruz da prova, conheceram os profundos desesperos; estão, por isso mesmo, em condições de apreender o sentido do aprendizado libertador de suas almas. Encontrarão o caminho do trabalho, do conhecimento e do amor. Não sucumbirão no sofrimento, pois que este lhes dará acesso ao bem, a incessante dedicação ao aperfeiçoamento do espírito.

Contribuição de José Maurício Kimus Dias, março de 2004

 

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